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De Araguaína a Montreux: como ANAVITORIA está reinventando o pop brasileiro para uma nova geração

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(English version here)

ANAVITORIA, quem? Há algo no ar do Brasil. Algo rítmico. Algo atemporal. Há mais de um século, o mundo afina os ouvidos para escutar o som que vem daqui. Um som complexo, emotivo, teimosamente alegre, mesmo na tristeza.

Da cadência suave da bossa nova à rebeldia poética da tropicália, do pulso percussivo do samba à intimidade romântica da MPB (Música Popular Brasileira), o Brasil nunca parou de compor a trilha sonora de suas próprias contradições. Mas isso não é uma aula de história. É uma carta de amor ao que vem a seguir.

A evolução da música brasileira não segue uma linha reta. Ela respira, se contorce, se transforma. A cada geração, novos artistas surgem não para apagar o que já foi feito, mas para remixar, reinterpretar e reumanizar. Nesse diálogo constante entre passado e futuro, ANAVITORIA se firmou com delicadeza e firmeza como uma das vozes mais sinceras e comoventes do seu tempo.

Elas não nasceram nos grandes centros culturais como Rio ou São Paulo. A história começa em Araguaína, uma cidade modesta no norte do Tocantins. E é justamente isso que torna a música delas tão rara. Não tenta imitar ninguém. Não corre atrás de tendências. Soa como um diário. Um instante. Uma conversa entre duas amigas que começaram a escrever canções para se sentirem menos sozinhas, e que hoje fazem o mesmo por milhares de outras pessoas.

Ana Caetano e Vitória Falcão, a dupla por trás do ANAVITORIA, criaram um som que soa como um sussurro carregado do peso de uma confissão. Íntimo, acústico, feminino. Mas nunca frágil. As melodias são suaves, mas o impacto é profundo. A música delas não foi feita para algoritmos nem para refrões virais. Foi feita para momentos de silêncio, espaços compartilhados, viagens de carro, manhãs lentas e noites de reflexão.

Desde a estreia em 2015, o ANAVITORIA escreveu e lançou uma obra que reflete juventude, amor, desilusão, autodescoberta e tudo o que existe entre esses pontos. Suas canções cruzaram o Brasil e encontraram abrigo em outros países. Elas já colaboraram com alguns dos artistas mais respeitados da música brasileira, venceram prêmios Latin Grammy e, em 2025, subiram a um dos palcos mais icônicos do mundo: o Montreux Jazz Festival. Já não se trata de um fenômeno local. ANAVITORIA é uma voz global cantada em português.

Este artigo é a pedra fundamental. Se você nunca ouviu falar delas, aqui é o seu ponto de partida. Se você já as ama, este é o seu mergulho profundo. Vamos explorar quem são, o contorno da música que fazem, a evolução do seu som e o lugar que ocupam no cenário musical global.

Porque ANAVITORIA não é apenas uma dupla pop. Elas são um sentimento. Um retorno ao que é suave, lento e sincero, num mundo que tantas vezes esquece como se escuta de verdade.

Duas vozes, uma alma só: quem é ANAVITORIA?

A história do ANAVITORIA começa com uma mensagem. Um pedido simples de uma adolescente para outra, numa cidade do interior. “Vamos cantar juntas.” Foi só isso. Sem estratégia de marketing. Sem teste. Sem produtor à espreita. Apenas duas vozes, um violão e a intuição compartilhada de que havia algo ali que merecia ser dividido com o mundo.

Foi em Araguaína, no coração do norte do Brasil, que Ana Caetano e Vitória Falcão se encontraram. Já se conheciam da escola, mas só mais tarde, quando Ana começou a postar composições próprias na internet, Vitória ouviu algo nas palavras e no som que a fez tomar a iniciativa. Daquela amizade nasceu uma parceria que logo se transformaria numa das duplas mais sinceras e reconhecíveis da música brasileira contemporânea.

O que torna o ANAVITORIA tão marcante não é apenas o talento, mas a química entre elas. As vozes não disputam espaço. Elas se completam. Uma é firme e articulada. A outra, intuitiva e expansiva. Juntas, criaram uma linguagem musical construída sobre harmonia, honestidade e delicadeza.

Ana Caetano: The Architect of Intimacy

Ana Caetano Ana vitoria
Photo source: https://www.hojenocinema.com

Ana Caetano é o motor silencioso do ANAVITORIA. Compositora e contadora de histórias por natureza, ela escreve com uma sensibilidade que lembra os grandes letristas da MPB, mas com um olhar inconfundivelmente contemporâneo. Nascida em 1994, Ana já explorava sua voz criativa nos estudos de música muito antes da formação da dupla. Sua formação em poesia e violão clássico lhe deu as ferramentas para transformar emoções complexas em melodias claras e elegantes.

É conhecida por seu estilo introspectivo, sempre escrevendo a partir de um lugar de vulnerabilidade. Em entrevistas, Ana costuma descrever seu processo criativo como algo profundamente interno, quase como manter um diário. Suas letras são pessoais sem serem exclusivas, poéticas sem se tornarem abstratas. Em uma entrevista de 2024 ao Tracklist, ela disse:

“O QUE EU ESCREVO É, MUITAS VEZES, A FORMA QUE ENCONTRO DE ME ENTENDER. NÃO É UMA LIÇÃO. É UMA PERGUNTA QUE ESTOU FAZENDO EM VOZ ALTA.”

Ana Caetano, Tracklist 2024

Suas composições giram frequentemente em torno de relações, memória, amor-próprio e ausência. Mas, ao contrário da tradição dramática da música romântica brasileira, o trabalho de Ana recusa o exagero. Ela confia no silêncio. Confia na sugestão. E, justamente por isso, tornou-se uma das letristas mais admiradas de sua geração.

Além da composição, Ana também atua como uma espécie de diretora criativa da dupla. Ela define o tom conceitual de cada álbum e costuma orientar as colaborações com outros músicos e produtores. É o pulso por trás do refinamento.

Vitória Falcão: a voz da emoção

Vitória Falcão Anavitoria
Photo source: https://caras.com.br / Instagram

Se Ana constrói a canção, Vitória lhe dá vida. Com uma voz que desliza, dói e cresce dentro de uma mesma frase, ela encarna o núcleo emocional do trabalho do ANAVITORIA. Vitória não se apresenta como uma estrela pop. Ela canta como quem habita cada palavra da letra.

Nascida em 1995, também em Araguaína, Vitória não tinha, a princípio, o plano de seguir carreira na música. Entrevistas antigas revelam uma jovem que enfrentava dificuldades com a exposição, incerta sobre seu papel no palco. Mas o que começou como timidez se transformou em uma confiança silenciosa. Sua voz, reconhecível em poucos segundos, tornou-se parte essencial da identidade do duo.

Ela é frequentemente elogiada pela sinceridade de sua interpretação. Ao contrário de cantoras técnicas que impressionam pela extensão vocal, Vitória encanta pela presença. Em apresentações ao vivo, canta muitas vezes de olhos fechados, mãos repousando suavemente no microfone, como se segurasse algo frágil. Em conversa com a revista Veja durante a pandemia, ela refletiu:

“A GENTE NÃO PRECISA GRITAR PRA SER OUVIDA. A GENTE ACREDITA NA SUAVIDADE. A GENTE ACREDITA NO QUE É DE VERDADE.”

Vitória Falcão, revista Veja

Com a crescente fama do ANAVITORIA, Vitória também se tornou a bússola emocional da dupla, especialmente nas interações com os fãs. Sua abertura, sua vulnerabilidade nas redes sociais e seu humor leve fizeram dela uma figura profundamente querida pelo público.

O começo de tudo : do YouTube até Tiago Iorc

A ascensão da dupla foi inesperada, mas completamente orgânica. Em 2015, Ana e Vitória gravaram uma versão da música Um Dia Após o Outro, de Tiago Iorc, e publicaram o vídeo na internet. O registro, simples e sem produção, chamou atenção por um motivo: sua pureza. Parecia mesmo duas amigas cantando no quarto. Porque era isso.

Tiago Iorc viu o vídeo. Tocou pelo tom e pela estética delicada, ofereceu-se para produzir o primeiro álbum delas. Esse gesto de confiança, vindo de um nome já consagrado, mudou tudo.

O primeiro lançamento, ANAVITÓRIA (2016), não chegou com alarde, mas com curiosidade. E quase de imediato, encontrou seu público. O disco era um mosaico de canções de amor, arranjos acústicos e uma ternura lírica rara. Não pedia atenção. Convidava à intimidade. Com faixas como Agora Eu Quero Ir e Singular, elas criaram um som que parecia atemporal e, ao mesmo tempo, totalmente novo.

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Photo source: https://vejasp.abril.com.br

Álbuns que marcam a trajetória

ANAVITÓRIA (2016)

O álbum de estreia apresentou o que viria a ser a base do projeto: duas vozes em diálogo, violões acústicos e a recusa em dramatizar a emoção. Recebeu indicação ao Latin Grammy e trouxe algo que fazia falta ao pop brasileiro: uma revolução silenciosa.

O Tempo É Agora (2018)

A maturidade do som e das temáticas. Mais estruturado, mais cinematográfico. O disco venceu o Latin Grammy de Melhor Álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa e marcou a passagem do ANAVITORIA de sucesso indie para reconhecimento nacional. Faixas como Ai Amor e Porque Eu Te Amo se tornaram hinos de amor de toda uma geração.

N (2019)

Um projeto paralelo ousado. Um tributo completo a Nando Reis, um dos grandes poetas do rock brasileiro. O álbum aprofundou suas raízes na história da canção nacional e revelou o poder interpretativo da dupla. Soava como uma carta de amor ao próprio DNA musical delas.

Cor (2021)

Escrito durante a pandemia, Cor foi uma meditação sobre a solidão e a presença. Enxuto, reflexivo e lindamente minimalista, apresentou o ANAVITORIA em seu momento mais introspectivo. Havia uma maturidade no silêncio entre as palavras, no espaço deixado para que cada verso respirasse.

Esquinas (2023)

O capítulo mais recente. Uma mudança de clima e de perspectiva. Ainda íntimo, mas mais exploratório na estrutura e na sonoridade. Vamos mergulhar nesse álbum mais adiante, mas ele já se destaca como um marco de crescimento, não só artístico, mas também emocional.

O ANAVITORIA não é apenas um projeto musical. É um estudo de caso sobre autenticidade. Construído não com base no hype, mas na harmonia. Não guiado por algoritmos, mas pela arte. Sua presença na música brasileira já deixou uma marca profunda. E, mesmo assim, continuam enraizadas em suas origens, sem correr atrás de um som que não seja verdadeiro. Começaram com um sussurro. E, de alguma forma, esse sussurro hoje ecoa em todos os cantos.

De Araguaína para o mundo: ANAVITORIA ganha o cenário global

Quando uma dupla musical de uma cidade pequena no norte do Brasil começa a lotar teatros em Lisboa, Amsterdã e Montreux, algo significativo está acontecendo. Não se trata apenas de alcance internacional. Trata-se de uma verdade emocional que atravessa fronteiras. O que começou como um fenômeno local tornou-se uma voz global inesperada. Canta-se em português, mas se escuta muito além.

A trajetória internacional delas não seguiu o caminho tradicional. Não foram lançadas por uma gravadora multinacional, nem impulsionadas por um hit viral. A jornada foi mais lenta, mais silenciosa, mais orgânica. E foi exatamente essa intimidade que conquistou plateias de Paris a São Paulo.

Grammys e o olhar do mundo

O ponto de virada veio em 2018, quando o segundo álbum de estúdio, O Tempo É Agora, venceu o Latin Grammy de Melhor Álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa. A vitória surpreendeu muita gente da indústria. O disco não tinha um hit explosivo nem uma campanha de marketing grandiosa. O que ele oferecia era sinceridade, cuidado artesanal e um senso de timing irrefutável.

Naquele mesmo ano, a dupla também foi indicada à cobiçada categoria de Canção do Ano com Trevo (Tu), uma balada delicada com a participação de Tiago Iorc, mentor e produtor do primeiro disco. A canção já era queridinha em casamentos e playlists pelo Brasil. Mas o destaque no Grammy abriu portas para novos ouvintes internacionais, curiosos por aquelas duas jovens que cantavam sobre o amor com uma honestidade desarmante.

Em 2021, receberam mais uma indicação, desta vez por Cor, um álbum nascido do silêncio da pandemia. Mesmo com o mundo parcialmente fechado, a música delas viajava. O disco alcançou ouvintes muito além do Brasil, especialmente em Portugal e em países da Europa Ocidental, onde comunidades lusófonas se conectaram profundamente com os temas de saudade, pausa e presença emocional.

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Turnê europeia: salas cheias de emoção

Em 2024, o ANAVITORIA embarcou em uma turnê europeia cuidadosamente pensada, escolhendo espaços íntimos nas principais capitais culturais. Os shows não foram planejados para encher arenas, mas para criar espaços de partilha. Em Lisboa, o público cantou cada verso com uma ternura coletiva. Em Paris, fizeram uma noite com ingressos esgotados, reunindo expatriados brasileiros e locais curiosos. No Melkweg, em Amsterdã, a atmosfera era quente e silenciosa, mais próxima de uma sessão de histórias do que de um show tradicional.

Em junho de 2025, foram confirmadas no Botanique, em Bruxelas, uma casa de espetáculos conhecida por lançar artistas introspectivos e inovadores. O cenário era minimalista. Nada de pirotecnia digital, nem trocas de figurino elaboradas. Apenas duas vozes, em harmonia sobre violões dedilhados e teclados discretamente sobrepostos. A recepção foi profundamente comovente. Fãs enfrentaram a chuva, contaram como a música do ANAVITORIA se tornou parte da vida emocional deles, mesmo sem entender todas as palavras em português.

Um espectador na Bélgica descreveu o show como “uma espécie de revolução suave”. Em entrevistas, o ANAVITORIA reconheceu que se apresentar na Europa trazia outro tipo de responsabilidade. “Não se trata de impressionar. É sobre se conectar”, disse Ana. E conectar, elas conectaram.

Montreux 2025: um novo paço.

Anavitoria in Montreux 2025
Photo source: https://c.anibis.ch

O convite para se apresentar no Montreux Jazz Festival, em 2025, foi mais do que uma simples contratação. Foi um reconhecimento. O festival suíço, fundado em 1967, já recebeu lendas como Nina Simone e Radiohead. É um espaço onde a música é levada a sério, e onde a diversidade da programação sempre reflete a evolução cultural.

A apresentação do ANAVITORIA foi marcada para o início da noite, em um dos palcos mais intimistas. Ainda assim, atraiu uma plateia que transbordava para as áreas em pé. Havia uma expectativa no ar, uma curiosidade latente. Quem eram aquelas duas mulheres de vozes suaves e violões acústicos? E por que tantos falavam delas com tamanha delicadeza e reverência?

Elas abriram o show com Te Amar É Massa Demais, do álbum mais recente, Esquinas. A música começa com simplicidade, mas, como grande parte do repertório da dupla, se desdobra pouco a pouco em uma complexidade emocional profunda. Quando chegaram à canção Trevo (Tu), o público já era completamente delas. Alguns cantavam junto. Outros fechavam os olhos. Alguns choravam.

It was a performance without spectacle. No dramatic crescendos. No vocal acrobatics. Just presence. And presence, in a world saturated with distraction, is more radical than it seems.

A review in a Swiss arts magazine described their set as “a meditation disguised as a concert.” That line captures something important. ANAVITORIA do not perform for applause. They create space for reflection.

Mais do que exportadas: acolhidas

É fácil falar de “expansão internacional” em termos de mercado. Mas o que está acontecendo com o ANAVITORIA vai muito além de branding ou posicionamento. Trata-se de reconhecimento cultural. As pessoas não estão apenas descobrindo a música delas. Estão também se descobrindo dentro dela. Encontram ali algo de que precisavam. Um lembrete de que a suavidade ainda pode ser potente. Que a sinceridade ainda pode ser moderna. Que duas mulheres com violões podem preencher uma sala inteira sem nunca levantar a voz.

O sucesso crescente no exterior não veio de adaptações ao gosto global. Ele nasce da fidelidade ao que elas já são. E, ao que parece, o que elas são é exatamente o que o mundo precisa agora.

Num cenário digital onde o ruído muitas vezes vence, o ANAVITORIA continua a escolher a clareza. Em uma cultura de ironia, escolhe a ternura. Em um mercado movido pelo espetáculo, escolhe a intimidade. E em um mundo que frequentemente premia a desconexão, prefere se conectar com graça, precisão e coração aberto.

A jornada de Araguaína até Montreux não é apenas impressionante. É simbólica. Mostra que uma música construída com honestidade, enraizada no ofício e oferecida com cuidado pode atravessar qualquer distância. E que, às vezes, as revoluções mais poderosas começam com apenas duas vozes e um violão.

Esquinas: um novo canto para o pop brasileiro

Anavitoria esquinas album

Em português, a palavra “esquinas” remete aos cantos das ruas. Lugares aparentemente comuns, mas carregados de poesia, onde os caminhos mudam de direção. Com o lançamento do álbum Esquinas, em 2024, o ANAVITORIA convida o ouvinte a visitar esses cruzamentos silenciosos: entre passado e futuro, clareza e confusão, presença e saudade. É um disco sobre momentos suspensos, sobre mudanças que não fazem barulho, e sobre emoções sentidas na forma mais essencial.

Mais do que uma coletânea de canções, Esquinas soa como uma série de monólogos internos compartilhados entre amigas. É o trabalho mais íntimo da dupla até agora, mas também o mais cinematográfico. Não há pressa, nem urgência de refrões marcantes. O ANAVITORIA permite que cada faixa se revele como uma carta; medida, suave e cheia de espaço.

A linguagem da quietude

Esquinas dá continuidade ao minimalismo sonoro que marcou Cor, mas o leva a um lugar mais amplo e texturizado. A produção, assinada por Ana Caetano com o colaborador de longa data Felipe Simas, mergulha num folk-pop ambiente com toques inesperados: percussões suaves, sintetizadores delicados e camadas vocais fantasmáticas que surgem, brilham e desaparecem.

Nada aqui é por acaso. Cada pausa, cada respiração, cada transição harmônica foi pensada com cuidado. Ouvir Esquinas é como caminhar por uma cidade ao amanhecer, silenciosa, incerta, terna. Você está só, mas nunca desamparado.

Faixa a faixa: a narrativa de Esquinas

  1. Se eu usasse sapato – 2:45 Uma abertura reflexiva que brinca com metáforas e identidade. “Se eu usasse sapato”, elas cantam, questionando suavemente as máscaras que usamos e os “eus” que deixamos de mostrar.
  2. Minto pra quem perguntar – 3:07 Uma balada confessional sobre as pequenas mentiras que contamos para proteger o que ainda dói. O refrão é contido, mas de uma crueza impressionante.
  3. Não sinto nada (com Jorge Drexler) – 3:43 Um dos momentos mais marcantes do disco. Esse dueto com o mestre uruguaio Jorge Drexler aborda o entorpecimento emocional com uma simplicidade delicada. As vozes se fundem num tom só de resignação, tornando a ausência quase palpável.
  4. Ter o coração no chão – 3:15 “Ter o coração no chão.” Uma faixa sobre vulnerabilidade, com os pés firmemente plantados na humildade. Não há drama aqui — só verdade.
  5. Ponta solta – 3:16 Uma das composições mais poéticas do álbum. Capta a sensação de quando algo permanece sem resolução, como um fio deixado no ar.
  6. Espetáculo estranho – 3:33 Talvez o momento mais abstrato do disco. Esse “espetáculo estranho” é uma meditação sobre autoconsciência, identidade e a teatralidade da emoção.
  7. Água-viva – 2:49 Delicada e translúcida, como o próprio título (água-viva). A canção flutua. Há uma fluidez na melodia que evoca tanto o oceano quanto o corpo.
  8. Eu, você, ele e ela – 3:46 A faixa mais narrativa do álbum. Um quadrado amoroso contado com sutileza e camadas emocionais. O arranjo é suave, mas a letra carrega peso.
  9. Mesma trama, mesmo frio – 4:41 Uma obra de combustão lenta. A faixa mais longa do álbum e, talvez, seu núcleo emocional. “Mesma trama, mesmo frio.” Uma reflexão sobre ciclos, repetições e desejos não resolvidos.
  10. Quero contar pra São Paulo – 3:31 Uma carta de amor e uma confissão. São Paulo é cidade e símbolo ao mesmo tempo — de mudança, de modernidade, de histórias que ainda precisam ser contadas.
  11. Doce futuro – 3:41 “Doce futuro.” Uma canção de esperança, não de ingenuidade. Reconhece o peso do que passou, mas ainda assim escolhe se inclinar para frente.
  12. Navio ancorado no ar – 4:31 A faixa final é metafórica e surreal: “um navio ancorado no ar.” Deixa no ar a sensação de que certos sonhos, sentimentos e memórias existem além da gravidade.

Jorge Drexler e a arte da colaboração sutil

A participação de Jorge Drexler marca um ponto importante na discografia do ANAVITORIA. Sua voz, famosa pela delicadeza e sofisticação, espelha o ethos da dupla. Em Não sinto nada, não há espaço para virtuosismo vocal. Há, sim, uma respiração compartilhada, uma meditação melancólica, cantada em equilíbrio perfeito. A parceria é tão elegante quanto espontânea.

Essa colaboração enriquece o álbum sem jamais quebrar o seu tom. Soa como um amigo antigo que se junta a uma conversa já em andamento.

Produção, processo e identidade estética

A presença de Ana Caetano se faz sentir em cada detalhe deste álbum. Seu amadurecimento como produtora é nítido no controle das texturas, no uso do vazio e na administração da luz. Ela faz do silêncio não uma ausência, mas um espaço criativo.

A linguagem visual de Esquinas acompanha a música. A capa, os materiais promocionais e a tipografia seguem uma estética de tons suaves, luz natural e sutileza. Nada de excessos visuais. O “esquina” aqui volta como metáfora: discreto, mas carregado de profundidade.

Até o lançamento do disco foi modesto. Sem anúncio grandioso. Sem campanha internacional. Apenas um link, um convite para escutar e o abraço silencioso de um público fiel.

Recepção: crítica e público

A crítica brasileira descreveu Esquinas como “uma lição de economia lírica” e “o álbum mais coeso da carreira da dupla”. A maturidade no tom e no conceito foi amplamente elogiada. Houve uma admiração especial pelo fato de o ANAVITORIA evitar a repetição, entregando evolução sem perder a essência.

O público respondeu à altura. Nas plataformas de streaming, o álbum passou a integrar playlists dedicadas ao pop introspectivo e ao indie latino suave. Nas redes sociais, versos de Ponta solta e Doce futuro se tornaram pequenos mantras para quem enfrenta términos, processos terapêuticos ou simplesmente momentos de autorreflexão.

Diferente dos lançamentos anteriores, mais centrados no amor romântico, Esquinas traz um leque emocional mais amplo. Explora temas como memória, rotina, insatisfação e curiosidade. Em vez de buscar a catarse, o disco convida à contemplação.

Entre duas vozes, um mapa

Se Cor era um disco de acerto de contas interno, Esquinas é um álbum de observação. Não trata do fim do amor como ruptura, mas como sedimentação. O ANAVITORIA já não canta como duas garotas descobrindo o mundo. São artistas que o observam com cuidado, humor e paciência.

Não há um single pensado para viralizar. Não há tentativa de mudança brusca de direção. O ANAVITORIA permanece exatamente onde sempre esteve: na esquina. E é desse lugar que entregam um dos álbuns mais tocantes do pop brasileiro recente.

Em uma cultura frequentemente obcecada por movimento, Esquinas é um ato de resistência. Mostra que é possível permanecer em silêncio e, ainda assim, ir mais fundo. Que o menor desvio de rota pode transformar por completo a paisagem ao redor.

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Photo source: https://midias.em.com.br

Tudo acontece na esquina: ANAVITORIA e o futuro da música brasileira

As grandes viradas da música brasileira foram marcadas por abalos sísmicos. Os acordes estrondosos do tropicalismo, a sofisticação rebelde da bossa nova, o samba politizado dos anos 70. Cada movimento foi moldado por artistas determinados a transformar tudo, e a fazê-lo em alto e bom som. Mas, às vezes, a evolução não vem em explosão. Às vezes, ela chega num sussurro. Numa respiração. Numa esquina.

É nesse lugar que o ANAVITORIA ocupa seu espaço. Não como manifestantes nem provocadoras, mas como guardiãs de algo mais antigo, mais silencioso e nem por isso menos radical: a sinceridade emocional.

Na linhagem da música brasileira, elas representam um retorno à intimidade, mas não à nostalgia. Não tentam soar como ninguém que veio antes. E, mesmo assim, por meio das harmonias, da poesia e das raízes regionais, evocam o espírito de artistas como Nara Leão, Adriana Calcanhotto e Mallu Magalhães. Mulheres que confiaram na suavidade. Que acreditaram que o pessoal também pode ser político. Que um violão, tocado com leveza, pode ser mais potente do que mil vozes em confronto.

Redefinindo o som do agora

Enquanto o pop brasileiro mainstream costuma se apoiar na extravagância — com batidas eletrônicas, ritmos acelerados e produções hiperbólicas, o ANAVITORIA escolheu outro caminho. A música delas se constrói sobre texturas acústicas, vocais em camadas e contenção poética. Não se trata apenas de uma escolha estética. É uma postura artística.

Ao recusar a performance do excesso, criaram uma nova forma de presença. Uma identidade musical que não implora por atenção, mas a conquista pela honestidade. Em muitos aspectos, são o oposto da postura padrão da era digital. Onde reina a ironia, oferecem sinceridade. Onde tudo exige pressa, oferecem tempo.

Isso não é um retrocesso. É uma redefinição. Um ajuste fino do que o pop brasileiro contemporâneo ainda pode ser.

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Femininas, mas nunca frágeis

Num cenário musical onde tantas vezes se espera que mulheres glamourizem ou dramatizem, o ANAVITORIA escolhe nenhum dos dois caminhos. A feminilidade está no centro do som da dupla, mas nunca é transformada em produto. Não há tentativa de se moldar a uma imagem pop palatável. Sem teatralidade. Sem armaduras cintilantes.

O que elas oferecem é a vivência da mulher como ela é: complexa, em movimento, contida. As letras não romantizam a dor, nem disfarçam a vulnerabilidade como força. Permitem que as duas convivam. E, assim, tornaram-se símbolos potentes para uma geração de ouvintes, especialmente mulheres jovens, que buscam representação sem caricatura.

Elas cantam sobre o amor, mas sem clichês. Sobre términos, mas sem amargura. Sobre a memória, mas sem sentimentalismo. Essa clareza emocional ajudou a criar um novo vocabulário afetivo dentro da canção brasileira contemporânea.

O regional como universal

Há algo silenciosamente revolucionário no fato de que o ANAVITORIA não surgiu do Rio de Janeiro nem de São Paulo, mas de Araguaína, no norte do Tocantins. Não é uma cidade conhecida por exportar artistas. Nem está no centro da engrenagem cultural do país.

Mas essa origem importa. Reflete uma descentralização da cultura musical brasileira. Um movimento que permite que vozes novas surjam de geografias antes invisibilizadas. O ANAVITORIA canta a partir das margens. E, ao fazer isso, redesenha o centro.

A regionalidade delas não é transformada em exótico. Ela simplesmente existe — presente na linguagem, nas metáforas, nas referências musicais. Quando cantam sobre o cotidiano, tudo soa específico, local. E, ainda assim, ressoa muito além das suas fronteiras. Elas nos lembram que o universal não está em apagar o contexto. Está em contar a verdade com tanta clareza que qualquer um pode reconhecê-la.

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Legado em construção

É tentador pensar no ANAVITORIA como parte de uma tradição. E elas são. Mas também estão criando uma nova. Sua influência já é visível entre artistas brasileiros emergentes. Cantoras voltam a abraçar formatos acústicos, letristas se permitem escrever com clareza, e novos duos e trios surgem sem medo do silêncio. Elas não apenas respondem à cultura. Estão moldando-a.

Por meio de decisões musicais consistentes, espírito independente e uma recusa constante em ceder à convenção, o ANAVITORIA tornou-se exemplo de como crescer sem trair a própria essência. Esse já é um legado por si só.

Uma ponte entre gerações

O trabalho do ANAVITORIA constrói uma ponte entre a sensibilidade poética da era da MPB e o minimalismo digital da Geração Z. Elas entendem a intimidade das mensagens de voz, a estética lo-fi e a necessidade de uma música que acolhe, em vez de apenas se exibir.

Ainda assim, não recorrem a artifícios. Não há aqui um “vintage” forçado. Só atemporalidade.

Essa capacidade de conectar gerações, dos que cresceram ouvindo Chico Buarque e Gal Costa aos que descobriram a música por meio de algoritmos, as coloca em um lugar raro. São intérpretes, tradutoras e guardiãs de algo essencial.

Por que elas importam agora

Ouvir ANAVITORIA é lembrar que a música pode ser gentil. Que as letras podem ser generosas. Que a lentidão pode ser uma força. Em um mundo definido pela pressa e pelo ruído, elas são um convite à pausa. A sentir. A estar.

Elas importam porque criam espaço. Para a emoção, para a sutileza, para o pensamento. Lembram que nem toda arte precisa ser grandiosa. Às vezes, a arte apenas sustenta o espelho, e espera.

Um futuro escrito em minúsculas

Se você observar os títulos das músicas do ANAVITORIA, notará algo sutil: todos estão em letras minúsculas. É um gesto estético pequeno, mas que diz muito. Não há grito. Não há proclamação. Apenas presença. É assim que elas seguem: não pela força, mas pela profundidade. Não pela visibilidade, mas pela ressonância.

O futuro delas não precisa de reinvenção. Precisa apenas de uma coisa: fidelidade à música que as trouxe até aqui. E ao canto silencioso, mas firme, onde tudo já acontece.

Conclusão — com coração, com cor, com tempo: a jornada do ANAVITORIA

Falar do ANAVITORIA é falar não de espetáculo, mas de substância. Não de entradas triunfais, mas de presenças marcantes. Elas não são do tipo que rompe o silêncio. São do tipo que nos ensina a habitá-lo.

Da simplicidade de Trevo (Tu) à introspecção luminosa de Cor, e agora às sutilezas de Esquinas, sua discografia soa como um diário de evolução emocional. Não apenas delas. Nosso também. Elas oferecem canções como quem oferece chá: devagar, com calor, com as duas mãos.

Não fazem música para o instante. Fazem música para a memória. E, num momento cultural cada vez mais construído sobre velocidade, o ANAVITORIA continua escolhendo a duração. Lembram que as vozes mais suaves muitas vezes deixam as marcas mais profundas.

O caminho delas, de Araguaína aos Latin Grammys, até o palco de Montreux, nunca seguiu a rota esperada. E nunca precisou seguir. O que construíram não é uma carreira moldada por tendência, mas uma obra sustentada pela verdade. Elas são parte do presente musical do Brasil. Mas também de seu futuro. Um futuro mais introspectivo, mais sensível, mais aberto ao silêncio como ato de força.

Os títulos contam a história. O tempo é agora sussurrou que o tempo era este. Cor nos ofereceu uma paleta de sentimentos num mundo com medo do nuance. Esquinas nos deu os cantos. Os lugares onde paramos, mudamos de direção, e pensamos. É assim que elas constroem a música: não como uma escada ascendente, mas como uma série de quartos, Cada um menor, mais suave, mais preciso.

Talvez seja por isso que o ANAVITORIA importa. Não por falar mais alto que o mundo. Mas por confiar que o mundo, cedo ou tarde, vai se inclinar para escutar. A arte mais honesta não precisa correr atrás. Ela espera. Com calma. Com firmeza.

Sigamos o mapa delas. Com coração. Com cor. Com tempo. E quando chegarmos à próxima esquina, que elas ainda estejam lá. Cantando. Suavemente. Como sempre foi.

José Amorim
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